A NECESSÁRIA REVISÃO DOS ESTATUTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS DE ESTADOS E MUNICÍPIOS

O trabalhador que mantém um vínculo de emprego com ente da iniciativa privada (ainda que estatal), tem este vínculo contratual regulado por normas constitucionais (em especial as do art. 7º) e por normas legais estabelecidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Não é o que ocorre com os servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, que tem um vínculo estatutário (não contratual) mantido com o ente público, vínculo este que é regulado por normas legais editadas pela pessoa política a que pertence o ente público.

Assim, se o servidor público mantém vínculo com ente da Administração Federal, a regra que impera sobre esta relação estatutária é aquela estabelecida na Lei Federal n. 8.112/90. De outro tanto, se o servidor público for estadual, a norma de regência será aquela editada pelo Estado Membro respectivo, o mesmo ocorrendo em relação aos servidores municipais, cujos vínculos regular-se-ão por leis municipais.

Isto significa que enquanto os trabalhadores da iniciativa privada tem uma única consolidação normativa regulando o seu vínculo laboral (CLT), os servidores públicos dos vinte e sete estados e dos mais de cinco mil e quinhentos municípios se sujeitam a uma miríade de estatutos de servidores locais.

A baixa qualidade da produção normativa de alguns órgãos legislativos estaduais e municipais tem contribuído para a manutenção de péssimos estatutos de servidores públicos. Entre os defeitos mais comuns está a ausência de institutos jurídicos já consagrados na doutrina, na jurisprudência e na legislação federal, que indiscutivelmente é paradigma para os demais entes federados.

Exemplos disso ocorrem até mesmo na legislação de importantes Estados da Federação, como é o caso de Minas Gerais, onde o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Minas Gerais, que é de julho de 1952 (Lei 869/1952), não prevê o instituto da recondução, que é “o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado” (art. 29 da Lei Federal 8.112/1990), situação que ocorre quando o servidor é reintegrado ou quando é inabilitado em estágio probatório relativo a outro cargo.

Em recente julgamento (16/12/2014) o Superior Tribunal de Justiça entendeu que “não é possível a aplicação, por analogia, do instituto da recondução previsto no art. 29, I, da Lei 8.112/1990 a servidor público estadual na hipótese em que o ordenamento jurídico do estado for omisso acerca desse direito. Isso porque a analogia das legislações estaduais e municipais com a Lei 8.112/1990 somente é possível se houver omissão no tocante a direito de cunho constitucional autoaplicável que seria necessário para suprir a omissão da legislação estadual, bem como que a situação não dê azo ao aumento de gastos”(RMS 46.438-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/12/2014, DJe 19/12/2014).

No caso concreto que gerou o paradigma acima o servidor mineiro ocupava cargo de Oficial Judiciário, proveu novo cargo de Agente da Polícia Civil após aprovação em concurso público, requereu exoneração por não se adaptar a nova função e imediatamente requereu a recondução ao cargo ocupado anteriormente (Oficial Judiciário). O Estado de Minas Gerais, por sua vez, indeferiu o pedido alegando que a recondução não é prevista na legislação estadual. O servidor ingressou então com ação judicial sustentando que a recondução merecia aplicação em razão de que ela consta da Lei Federal (8.112/90, art. 29) e que era caso para aplicar-se a analogia.

O caso chegou ao STJ, que entendeu que a analogia das legislações estaduais e municipais com a lei federal em matéria de servidores somente é possível se houver omissão no tocante a direito constitucional autoaplicável que, para ser preservado no caso concreto, dependa da aplicação analógica, além de não incorrer em aumento de gastos.

Este caso demonstra que nem sempre o servidor público estadual ou municipal poderá desfrutar de direitos que há muito são assegurados aos servidores federais, pois em certos casos é imprescindível a previsão normativa estadual ou municipal, o que nos leva a concluir que sem uma revisão adequada das regras estatutárias, muitos funcionários públicos continuarão à margem de direitos do servidor já consagrados no plano da doutrina e da jurisprudência de nossos tribunais.