A PARTICIPAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO EM PROCESSO LICITATÓRIO ATRAVÉS DE PESSOA JURÍDICA
Por Jeison Maikel Kwitschal (OAB/SC 31.463), Assessor Jurídico do Município de Mafra e advogado associado da Del Olmo & Advogados Associados e Manolo Del Olmo (OAB/SC 13.976), Advogado Titular da Del Olmo & Advogados Associados.
O total de servidores públicos no Brasil, incluindo os empregados das empresas estatais, representa entre 11% e 12% do total de empregos no país, logo, com um contingente tão grande entre a camada economicamente ativa da sociedade, não é difícil encontrar um servidor público que, além desta condição, integre o quadro societário de uma sociedade simples ou mercantil.
Um dilema ético se verifica quando entre as propostas recebidas por um ente público para contratação de fornecimento, obras ou serviços, esta a proposta de uma empresa que tem um servidor público do ente contratante como integrante do quadro societário.
Neste caso, em sendo o servidor público vinculado a ente da União, não poderá o mesmo “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”, como quer o inciso X do art. 117 da Lei 8.112/90, dispositivo este muito repetido nos estatutos de servidores públicos dos estados e municípios.
Visto que o servidor, dentro dos limites legais, pode compor o quadro societário de empresa privada, passamos a análise da regra insculpida contida no inciso III do art. 9º da Lei 8.666/93, acerca das proibições legais na participação em certame licitatórios abertos pela Administração Pública em todo o Brasil, indicando que “não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários […] servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação”.
Para evitar qualquer dúvida quanto a definição do servidor, a própria Lei de Licitações o descreveu com sendo “aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público” (art. 84, caput), equiparando-se a este, “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim consideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.” (art. 84, §1º)
É desnecessária a verificação da influência do servidor na execução do processo licitatório, já que “não passa pela avaliação de saber se os servidores […] detinham ou não informações privilegiadas […], basta que o interessado seja servidor ou dirigente do órgão ou entidade contratante para que esteja impedido de participar, direta ou indiretamente, de licitação por ele realizada”, consoante decisão do Tribunal de Contas de União (Decisão n. 133/1997, Plenário, rel. Min. Bento José Bulgarin).
Assim sendo, não cabe a Administração Pública a discricionariedade de avaliar o nível de influência do servidor que intenta participar de certame licitatório por ela promovido, já que a vedação é objetiva. Ademais, o texto legal é claro ao impedir a participação de forma direta ou indireta, como ocorre nos casos em que o servidor se faz utilizar de pessoa jurídica para adentrar ao certame.
Esta vedação tem sido estendida inclusive a parentes dos servidores, por se entender que isto caracterizaria a participação “indireta” do servidor no certame, o que não passa de lamentável generalização do TCU, que vem determinando a cada um dos seus jurisdicionados que “não permita, ao contratar empresas prestadoras de serviço, que parentes de servidores sejam contratados pela empresa terceirizada, em atenção aos princípios da moralidade e da impessoalidade que devem nortear a gestão da coisa pública”, (Acórdão 1282/2008, Plenário) pois “é irregular a participação, em licitação conduzida por órgão/entidade da administração, de empresa cujo sócio presta serviços ao órgão/entidade relacionados, de alguma forma, a licitação, pois caracteriza o conflito ético que enseja a vedação estabelecida no art. 9o, inciso III, da Lei no 8.666/1993” (Acórdão 1198/2007, Plenário).
A vedação ocorre inclusive quando o servidor público estiver no regular gozo de licença, pois, para o STJ, “o fato de o servidor citado estar licenciado, à época da licitação, é irrelevante porque não deixou ele de ser funcionário da […], de ter vínculo com esta. Atenta contra o princípio da moralidade pública admitir a participação de servidor licenciado da administração, em licitação. Com isso, estaria sendo atingido o princípio da igualdade que deve imperar no certame. É verdade que o artigo 84, caput da mencionada norma legal [Lei 8.666/93], considera como servidor público aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público, mas isso não quer dizer que o servidor licenciado deixe de ser servidor, porque ele continua vinculado à administração. Seu contrato de trabalho está apenas interrompido ou suspenso, mas em vigor” (Resp n. 254.115/SP, 1ª T., rel. Min. Garcia Vieira, j. em 20.06.2000).
O desrespeito a esta regra preceptiva negativa, que impede que servidor público participe de licitação ou execução de contrato administrativo do ente público com o qual é vinculado, é medida que pode ter sérias consequências, podendo inclusive o ato ser tipificado como ímprobo, atraindo as duras sanções da Lei de Improbidade, consoante já entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (Apelação Cível n. 2008.027761-2, de Tangará, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. em 10.11.2011).